Entrevista a Joana Dionísio, finalista WAF

Depois das entrevistas com Ana Leça, Beatriz Narciso, Elizabeth Prentis, Flávia Costa e Jéssica Ilfu-Soi, seguimos agora para a quinta artista finalista da 1.ª edição da Women in Art Fellowship (WAF). Hoje é a vez de conhecer melhor o percurso, as referências e a visão artística de Joana Dionísio.

WAF — Podes contar-nos um pouco sobre ti e sobre o teu percurso até agora?

Joana Dionísio — Sou formada em Design de Produto e em Tecnologia da Comunicação Audiovisual, com especialidade em fotografia. Em 2021 concluí uma especialização avançada onde realizei um Master em Fotografia Artística e Documental. Desde outubro de 2024 sou estudante de Doutoramento em Arte Contemporânea no Colégio das Artes na Universidade de Coimbra. Tenho exposto regularmente desde 2021, tanto a nível nacional como internacional. Fui selecionada pela Bienal de Fotografia do Porto para integrar a plataforma de fotografia Europeia Futures, onde tenho regularmente conferências online organizadas pela Magnum Photos e desde 2024 integro o coletivo CC11. Em 2024 fui vencedora dos Novos Talentos Fnac, finalista dos Discovery Awards no Festival Encontros da Imagem e recebi a Menção Honrosa no concurso Women Photographers do PhMuseum. Fui finalista da Mostra Nacional de Jovens Criadores em 2023 e 2022, selecionada pela GUP Magazine como um talento emergente na Fotografia Europeia em 2022, finalista da Bienal Jovem de Loures em 2021, entre outros reconhecimentos.

WAF — Qual foi o maior desafio que encontraste na tua carreira artística até agora e como o superaste?

Joana Dionísio — O maior desafio que enfrento é garantir os recursos económicos necessários para continuar a produzir. A prática artística exige tempo, pesquisa e materiais, mas os apoios são muito escassos. Para lidar com esta limitação, para além de ter de encontrar outras formas de rendimento, tenho procurado bolsas, residências e parcerias que permitam viabilizar financeiramente a minha prática, ao mesmo tempo que desenvolvo formas de trabalho adaptadas aos recursos disponíveis. Este processo, apesar de exigente, ensinou-me a ser resiliente e a encontrar soluções criativas para manter a minha trajetória ativa.

WAF — Que experiências consideras terem sido mais determinantes na tua evolução enquanto artista?

Joana Dionísio — O doutoramento, que me tem permitido articular de forma mais consistente a dimensão teórica e prática do meu trabalho, dando uma solidez conceptual à minha produção artística. As residências artísticas em que participei, que me proporcionaram contextos de experimentação, tempo de produção e diálogo com outras perspectivas, enriquecendo tanto o processo criativo como a forma como penso a minha obra. A integração na plataforma Europeia Futures que me deu acesso a uma rede internacional de fotógrafos, curadores e instituições, ampliando a visibilidade do meu trabalho e abrindo novas possibilidades de colaboração e circulação.

WAF — Quais são as tuas principais referências artísticas ou culturais?

Joana Dionísio — As minhas principais referências provêm de teóricos que refletem sobre a imagem e a sua construção de sentido. Roland Barthes, Susan Sontag, Margarida Medeiros e Pedro Miguel Frade, entre outros autores que fornecem um enquadramento teórico que inspira a minha prática.

WAF — Que artistas, movimentos ou acontecimentos mais influenciaram a tua prática?

Joana Dionísio — Autores que exploram a relação entre memória, narrativa e a imagem. Entre eles, Sophie Calle, pela forma como combina autobiografia e ficção, criando dispositivos narrativos que transformam experiências íntimas em obras abertas à interpretação do espectador, Duane Michals, pelo uso da sequência fotográfica e do texto. Autores que investigam a materialidade do arquivo e a sua capacidade de ser reinterpretado, como no trabalho de Joan Fontcuberta, que questiona a veracidade fotográfica através da ficção e da manipulação, Taryn Simon e Daniel Blaufuks, que explora o diálogo entre memória individual e memória histórica.

WAF — Há alguma obra ou momento na tua vida que consideres ter sido um ponto de viragem criativo?

Joana Dionísio — A minha trajetória enquanto artista foi impulsionada por uma inquietação interna, desencadeada pelo falecimento do meu pai, um evento que marcou um ponto de inflexão no meu entendimento sobre a memória, tanto a nível pessoal quanto teórico. Esse acontecimento revelou a natureza fragmentária da memória: enquanto determinados momentos surgiam com nitidez, outros desvaneciam por completo. Essa dualidade levou-me a questionar os próprios mecanismos do que é lembrar e quase tomando vida própria, encontrou caminho para a expressão externa através da minha prática artística, onde o ato fotográfico é explorado não apenas como um meio de representação, mas sobretudo como um dispositivo espectral.

A experiência da ausência conduziu-me a uma reflexão mais consciente sobre a fotografia. O que me move ao fotografar é precisamente esse limiar onde aquilo que não está presente fisicamente se manifesta de alguma forma. Para mim, é aí que a fotografia se revela.

WAF — O que te motiva a criar e a persistir no teu trabalho artístico?

Joana Dionísio — Penso que na prática artística existe uma pré-disposição para um caminhar em direção ao desconhecido, sem garantias, mas com uma urgência. De facto, há qualquer coisa nesse movimento. Mas, a predisposição que trago não é programática, nem inteiramente racional, é algo difícil de nomear. Talvez porque a criação não exige uma certeza, nem uma resposta, talvez seja isso: crio porque há algo em mim que ainda não encontrou a sua forma e cada trabalho é uma tentativa, um ensaio em direção a essa forma.

Penso que a arte não procura um fim, mas um percurso, trata-se de um caminhar que se faz sem saber para onde vamos nem o que vamos encontrar.

WAF — Como defines o propósito do teu trabalho enquanto mulher nas artes?

Joana Dionísio — Procuro explorar temas que me são próximos, que atravessam a minha identidade e vivências, o meu trabalho pretende ser um espaço de resistência e reflexão sobre um olhar pessoal e feminino do mundo, usando a arte como ferramenta de diálogo.

Enquanto mulher nas artes, interessa-me olhar a complexidade da experiência humana através da fotografia. A minha prática busca transcender o individual, conectando memórias pessoais a narrativas coletivas que refletem sobre a memória e o tempo. Através de uma abordagem sensível e introspectiva, pretendo criar espaços de reflexão e diálogo que desafiem as normas estabelecidas e promovam uma compreensão mais profunda da condição humana.

WAF — Que mensagem ou reflexão pretendes transmitir com a tua obra?

Joana Dionísio — A minha obra pretende transmitir uma reflexão sobre a relação entre o passado e o presente, entre a memória individual e as experiências coletivas. Quero convidar o público a pensar sobre como as nossas histórias pessoais se entrelaçam com as narrativas coletivas, mostrando que o que é íntimo é também universal.

Procuro também despertar uma consciência sobre a natureza efémera da existência e a forma como tentamos resistir à passagem do tempo. A minha prática é um convite a reconhecer a fragilidade da vida, mas também a força que reside na resistência que cada um pode exercer, na forma como permanecemos presentes.

WAF — Como costumas organizar o teu processo criativo? Tens algum método ou rotina preferida?

Joana Dionísio — Por norma o meu processo criativo parte de um conceito, inspirado em leituras da literatura e/ou da filosofia. Interessa-me pensar como é que determinados conceitos podem ser transpostos para imagens, não de forma ilustrativa, mas simbólica.

Quando trabalho com arquivo, há sempre um processo prévio de investigação e seleção e tento perceber como o material pode ser reativado ou recontextualizado para criar novas narrativas.

Embora não siga uma rotina rígida, mantenho certos hábitos que orientam o processo, como anotações, leituras paralelas, diários visuais que vão afinando o rumo do trabalho e tenho também o hábito de trabalhar no formato de parede, imprimindo imagens em pequenos formatos e misturando-as com texto. Costumo criar pequenos mindmaps para ajudar a visualizar e organizar o trabalho, facilitando a conexão entre ideias e elementos visuais.

WAF — Que técnicas, materiais ou meios gostas mais de explorar na tua prática?

Joana Dionísio — Trabalho maioritariamente com fotografia, que é o meio central da minha prática. Paralelamente, utilizo também imagens de arquivo, sejam arquivos pessoais, familiares ou públicos e em alguns projetos, integro o som como elemento complementar, que ampliam o campo de leitura das imagens. Mais recentemente, tenho vindo a incorporar a performance, explorando o corpo e o gesto como extensão da imagem.

WAF — Que papel têm a colaboração ou a interdisciplinaridade no teu trabalho?

Joana Dionísio — Vejo e trabalho a fotografia como um campo expandido, onde a imagem não é um fim em si mesma, mas um ponto de partida para outras possibilidades de construção. Intervenho frequentemente sobre as fotografias, seja através da sobreposição, da escrita, da manipulação digital ou da incorporação de elementos performativos e sonoros. Esta abordagem favorece o cruzamento com outras disciplinas e práticas, o que torna a colaboração um motor importante no meu processo.

WAF — De que forma esta bolsa poderá transformar ou impulsionar o teu percurso artístico?

Joana Dionísio — Encontro-me num momento do meu percurso artístico em que desenvolver o meu trabalho se torna cada vez mais desafiante, devido à escassez de recursos que limitam a concretização das minhas ideias e a continuidade da minha prática artística de forma consistente. Nesta fase, esta bolsa representa muito mais do que um apoio financeiro pontual, é uma oportunidade decisiva para aprofundar e consolidar o meu percurso. Vejo-a como um motor de transformação que me permitirá dedicar-me de forma intensa e sustentada a um projeto que tenho muita vontade de desenvolver.

WAF — Quais são as tuas expectativas em relação ao impacto deste projeto no contexto nacional/internacional?

Joana Dionísio — Espero que este projeto contribua para enriquecer o diálogo artístico e cultural, tanto a nível nacional como internacional, oferecendo uma experiência que vá além da contemplação estética. Pretendo que a obra suscite inquietações, desafie quem a observa e que estimule o espectador a confrontar-se com o próprio imaginário, criando um espaço de introspeção. Gostava que a experiência proposta se prolongasse para além do instante da exposição, fomentando um envolvimento ativo com a obra e com as questões que ela coloca.

WAF — Onde te vês daqui a cinco anos enquanto artista?

Joana Dionísio — Daqui a cinco anos, vejo-me a continuar a desenvolver uma prática artística sólida, crítica e comprometida. Espero ter consolidado um corpo de trabalho coerente, tanto em contexto nacional como internacional. Gostaria também de estar ligada a espaços de partilha, onde possa contribuir para a formação de pensamento e para o fortalecimento de uma comunidade artística aberta, interdisciplinar e reflexiva.

Com esta quarta entrevista damos continuidade à série dedicada a dar voz às finalistas da 1ª edição da Women in Art Fellowship. A WAF nasce da colaboração entre o Freeport Lisboa Fashion Outlet, o Vila do Conde Porto Fashion Outlet, a Portugal Manual e a SOTA – State of the Art, e conta com a artista Joana Vasconcelos como madrinha da sua primeira edição.

Convidamos-te a acompanhar de perto este percurso: segue a WAF no Instagram e descobre mais sobre o trabalho de Jéssica Ilfu-Soi.

Sabe mais sobre a bolsa WAF neste artigo no blog.