Depois das entrevistas com Ana Leça, Beatriz Narciso, Elizabeth Prentis, Flávia Costa, Jéssica Ilfu-Soie Joana Dionísio, seguimos agora para a quinta artista finalista da 1.ª edição da Women in Art Fellowship (WAF). Hoje é a vez de conhecer melhor o percurso, as referências e a visão artística de Joana Paraíso.

WAF — Podes contar-nos um pouco sobre ti e sobre o teu percurso até agora?
Joana Paraíso — Formei-me em Artes Plásticas no ramo de Escultura pela FBAUL. Posteriormente regressei aos estudos e concluí o Mestrado em Ensino de Artes Visuais. Ao longo dos anos dei aulas, trabalhei em museus e na produção de conteúdos culturais, sem nunca deixar de desenvolver o meu trabalho artístico. Em 2023, consegui reunir condições para investir na carreira artística a tempo inteiro e, nesse contexto, decidi ingressar no Doutoramento em Belas-Artes com especialização em Desenho para aprofundar a pesquisa e prática artística.
WAF — Qual foi o maior desafio que encontraste na tua carreira artística até agora e como o superaste?
Joana Paraíso — Penso que começar a carreira artística é um desafio, não há formação palpável nas faculdades sobre a forma como esta profissão ocorre e se desenvolve. Sendo que o maior desafio com que os artistas se deparam é a sustentabilidade financeira e o posicionamento no contexto cultural local e internacional. A resiliência e a vontade de ser e fazer, são forças vitais para permanecer na carreira.
A experiência de vida e sobretudo a frequência do Doutoramento têm-me ajudado a gerir as dúvidas sobre os modos de atuação no âmbito da profissão, através de momentos de partilha e aprendizagem. A participação na primeira edição da WAF também tem contribuído para esse crescimento, autoanálise e crescimento profissional.
WAF — Que experiências consideras terem sido mais determinantes na tua evolução enquanto artista?
Joana Paraíso — Sem dúvida a frequência no Doutoramento, onde posso colocar em texto os meus pensamentos e pesquisas, assim como partilhar com outros investigadores e artistas sobre as minhas dúvidas, processos e métodos e ouvir outras perspetivas e experiências, tal como fazemos nas masterclasses da WAF.
Outro elemento importante são as colaborações que comecei timidamente a fazer em 2023 com outras artistas e que já começaram a apresentar resultados, permitem criar projetos únicos, expor em locais diferentes e em alguns casos são um incentivo à internacionalização. Neste momento, a colaboração com outros artistas começa a fazer parte da minha identidade artística, um modo de atuação complementar à produção autoral e que enriquece o percurso profissional.
WAF — Quais são as tuas principais referências artísticas ou culturais?
Joana Paraíso — Mais do que as referências artísticas, as minhas referências sócioculturais marcam totalmente o meu percurso. Em 2007, adotei Joana Paraíso como nome artístico, cujo conceito inerente ao apelido reflete uma idealização e construção cultural do território, presente na edificação da minha identidade durante a infância e juventude.
Existem dois motivos para essa marca na minha identidade:
Primeiro, porque nasci numa família (do lado materno) muito religiosa, com três tios padres e primas freiras, passei várias temporadas das férias da escola no convento de Vila das Aves (Clarissas) e tive uma educação religiosa. Por isso, a idealização territorial, neste caso imaginária e coletiva, de um território que haveríamos de aceder – o Paraíso, foi uma constante presente na minha educação.
Por outro, sou filha de pais emigrantes, que emigraram para o Canadá, ainda durante a ditadura, e lá criaram os dois primeiros filhos. Quando nasci, durante um período em que os meus pais estavam em Portugal, foi decidido que só o meu pai regrassaria ao Canadá e que a restante família ficaria em Portugal. Cresci até aos 12 anos com um pai ausente, que nos visitava duas vezes por ano e que trazia na sua mala de viagem lembranças e a idealização de um país que nos permitia viver melhor, embora também nos separasse.
Esses dois mundos, o religioso e a emigração do meu pai, tiveram o efeito em mim de afastamento do território onde nasci e retiraram-me o sentimento de pertença, os meus sonhos e a conceção de lugar estavam noutros sítios aos quais não podia aceder.
WAF — Que artistas, movimentos ou acontecimentos mais influenciaram a tua prática?
Joana Paraíso — Atualmente, com a frequência do doutoramento e a consolidação da minha pesquisa, identifico-me com alguns processos ou narrativas criadas por artistas como Richard Long, William Kentridge, Guillermo Kuitca, Francis Alÿs, Christian Nold e Janet Cardiff. Os autores que mais leio são Rebecca Solnit, Edward Casey e Tim Ingold. E o movimento mais relevante para a minha pesquisa é o Internacional Situacionista.
WAF — Há alguma obra ou momento na tua vida que consideres ter sido um ponto de viragem criativo?
Joana Paraíso — Sem dúvida a minha obra XYZ de 2023. Com a produção desta obra, tornou-se mais claro que fazia sentido trabalhar a nossa relação com o território através da introdução de narrativas espaço-temporais e corpo-territoriais para a elaboração de uma cartografia afetiva e crítica, onde a edificação do sentimento de pertença se manifesta.

WAF — O que te motiva a criar e a persistir no teu trabalho artístico?
Joana Paraíso — Contribuir ativamente para a sociedade, para o desenvolvimento de novo conhecimento, através de resultados artísticos que traduzam pensamentos, perceções e novas perspetivas sobre os ambientes e os elementos que nos rodeiam e com os quais interagimos.
Compreender melhor a forma como nos relacionamos com os territórios e criamos o sentimento de pertença e apresentar uma visão feminina do mundo, nomeadamente através do discurso direto introduzido na elaboração das obras.
WAF — Como defines o propósito do teu trabalho enquanto mulher nas artes?
Joana Paraíso — Sinto que as mulheres artistas têm muito para dizer e precisam de ser mais ouvidas, de estarem mais presentes na sociedade e no espaço público. Por isso o meu propósito é dar voz à presença das mulheres, através do meu próprio testemunho e contribuir para que as suas perceções e emoções se tornem mais visíveis através do trabalho artístico que desenvolvo.
Idealmente gostaria que as minhas narrativas pessoais adquirissem uma estrutura e uma simbologia global, de forma a que se tornassem narrativas coletivas, autónomas de mim mesma, de modo a que outras pessoas se identificassem, percecionassem e interiorizassem essas ideias como suas.
WAF — Que mensagem ou reflexão pretendes transmitir com a tua obra?
Joana Paraíso — Eu procuro desenvolver estratégias e processos artísticos que conduzam à perceção íntima dos territórios, à edificação do sentimento de pertença e com isso se verifique a construção de uma identidade e de uma memória partilhada.



WAF — Como costumas organizar o teu processo criativo? Tens algum método ou rotina preferida?
Joana Paraíso — O ponto de partida para os projetos autorais é a implementação de um percurso pedonal na cidade, durante o qual faço registo e aplico técnicas de mapeamento, seguem-se leituras e pesquisa de acordo com os assuntos que quero explorar e a criação/experimentação em atelier.
A escrita acompanha todos os momentos do processo, mas acontece sobretudo na fase de criação. A forma como as obras são expostas no espaço expositivo e acolhem as particularidades dos espaços, também faz parte do processo, por isso normalmente estou envolvida nas decisões curatoriais.

Para os projetos colaborativos os métodos são adequados às particularidades de cada projeto.
WAF — Que técnicas, materiais ou meios gostas mais de explorar na tua prática?
Joana Paraíso — Os materiais e técnicas variam e adequam-se diretamente aos conceitos que pretendo trabalhar, contudo há uma tendência para o desenho, o têxtil e elementos audiovisuais.


WAF — Que papel têm a colaboração ou a interdisciplinaridade no teu trabalho?
Joana Paraíso — O meu trabalho artístico é sobretudo interdisciplinar, as técnicas e métodos adequam-se às particularidades de cada projeto e favorecem o envolvimento das pessoas. A introdução de projetos colaborativos com outros artistas na minha prática artística tem beneficiado o diálogo, a abertura a novas perspetivas e modos de trabalhar.
WAF — De que forma esta bolsa poderá transformar ou impulsionar o teu percurso artístico?
Joana Paraíso — Será a primeira vez que terei uma estrutura profissional tão complexa a trabalhar comigo e focada no sucesso do meu projeto. Se através da minha resiliência e investimento contínuo, sinto que tenho conseguido atingir alguns objetivos (nomeadamente ser finalista do WAF), não tenho dúvidas que com a plataforma de projeção que a WAF me proporcionará haverá um impacto efetivo no meu percurso, na minha capacitação processual e pessoal e na forma como o meu trabalho será percecionado e aceite.
WAF — Quais são as tuas expectativas em relação ao impacto deste projeto no contexto nacional/internacional?
Joana Paraíso — O projeto WAF ao focar-se na perspetiva e pensamento das mulheres artistas, dando-lhes voz e presença no espaço público, distingue-se de outras bolsas e cumpre um papel fundamental na sociedade contemporânea.
WAF — Onde te vês daqui a cinco anos enquanto artista?
Joana Paraíso — Desejo estar a expor nacionalmente e internacionalmente, conseguir financiar totalmente os meus trabalhos e pesquisa, assim como estabelecer colaborações com artistas e curadores de vários pontos do globo.



Com esta sétima entrevista damos continuidade à série dedicada a dar voz às finalistas da 1ª edição da Women in Art Fellowship. A WAF nasce da colaboração entre o Freeport Lisboa Fashion Outlet, o Vila do Conde Porto Fashion Outlet, a Portugal Manual e a SOTA – State of the Art, e conta com a artista Joana Vasconcelos como madrinha da sua primeira edição.
Convidamos-te a acompanhar de perto este percurso: segue a WAF no Instagram e descobre mais sobre o trabalho de Joana Paraíso.