Entrevista a Beatriz Narciso, finalista da WAF


Depois de termos iniciado esta rubrica com a entrevista a Ana Leça, seguimos agora para a segunda artista finalista da 1ª edição da Women in Art Fellowship (WAF). Hoje é a vez de conhecer melhor o percurso, as referências e a visão artística de Beatriz Narciso.


WAF — Podes contar-nos um pouco sobre ti e o teu percurso até ao momento?

Beatriz Narciso – A minha curiosidade começou desde muito cedo, na infância, em casa, primeiro com o desenho e depois com a pintura, embora o meu percurso mais sustentado se tenha iniciado na Escola Artística António Arroio, no curso RPE, Realização Plástica do Espetáculo, direcionado à arte cenográfica e à conceção de figurinos. Na faculdade, optei por uma licenciatura mais abrangente e fui estudar Artes Plásticas na ESAD – Escola Superior de Artes e Design, nas Caldas da Rainha. Redescobri a pintura como veículo principal da minha expressividade, na qual me senti mais plena e ganhei novas competências em outras áreas, tais como a gravura, a serigrafia e o livro de artista. Após a licenciatura, dediquei-me a ser artista a tempo inteiro na área da pintura, em Marvila/Lisboa e não mais parei. Desenvolvo o meu trabalho atualmente noutro espaço, no Lumiar/Lisboa, com ambições maiores.

WAF — Qual foi o maior desafio que encontraste na tua carreira artística até agora e como o superaste?

Beatriz Narciso – Até à data, diria que o meu maior desafio relacionou-se com a atribuição de um valor/preço para as obras criadas. É mais complexo do que aquilo que julgava. Ao início, não sabia muito bem o que seria justo ou adequado – não tive propriamente uma aprendizagem sobre estas questões mais financeiras. Os valores do mercado oscilam consoante o tempo e o contexto em que se apresentam. Aprendi que se relaciona, desde logo, com as despesas do artista, com o conhecimento do mercado, suas regras e lógicas e com o crescimento artístico e longevidade de carreira, entre outros pormenores.

WAF — Que experiências consideras terem sido mais determinantes na tua evolução enquanto artista?

Beatriz Narciso – A mais determinante poderá ter sido a experiência no meu primeiro estúdio coletivo em Marvila, que era aberto ao público durante a semana. Aprendi como interagir com os visitantes, a desenvolver conforto no meu processo criativo enquanto observada e até mesmo quando questionada pelo público visitante. Desenvolvi confiança em diferentes parâmetros, novas competências e partilhas com os meus colegas do espaço. Ter um estúdio partilhado traz imensas vantagens, pessoais, profissionais e sociais, tanto no âmbito da minha área artística, como fora dela. A conexão, a partilha e a colaboração são mesmo muito importantes.

WAF — Quais são as tuas principais referências artísticas ou culturais?

Beatriz Narciso – As minhas referências mais diretas acabam por ser aquilo que observo no meu dia-a-dia — espaços, locais, comportamentos e atmosferas. Tenho-me centrado na noite, um período particularmente dado à exploração de dicotomias, algo que me tem interessado também do ponto de vista da socialização.


WAF — Que artistas, movimentos ou acontecimentos mais influenciaram a tua prática?

Beatriz Narciso – Pelos assuntos abordados e trabalho de luz, sombra, texturas e reflexos, mencionaria Artemísia Gentileschi, Edward Hopper e Carlos Barahona Possollo. Também algumas obras noturnas da Georgia O’Keeffe. Pela construção da narrativa, tratamento das composições e temas em si, diria Paula Rego, Laura Knight, Norman Rockewll e Mark Tennant. Provavelmente, acabo por absorver um pouco de tudo, especialmente arte figurativa, independentemente da época.

WAF — Há alguma obra ou momento na tua vida que consideres ter sido um ponto de viragem criativo?

Beatriz Narciso – Tive alguns. O mais recente poderá ter sido durante o meu último ano de faculdade, quando comecei a reparar na vida noturna das Caldas da Rainha, ainda no período da pandemia. Aos poucos, foi fazendo sentido, entranhou-se e progrediu para a minha mais recente abordagem.

WAF — O que te motiva a criar e a persistir no teu trabalho artístico?

Beatriz Narciso – A minha motivação é um certo mundo ao meu redor e considero-me uma espectadora que deixa “pontas soltas”, de que resulta deixar em aberto, assuntos sociais e diferentes formas de ver e apresentar uma narrativa. Persisto porque deixo uma espécie de testemunhos nostálgicos ou empáticos para os espectadores.

WAF — Como defines o propósito do teu trabalho enquanto mulher nas artes?

Beatriz Narciso – A observação é algo muito próprio e cada um tem um modo de captar o mundo envolvente e de interpretá-lo. Procuro promover sensações e estimular sensibilidades através do mistério, do pormenor e do contemplativo. Nunca fui muito de falar e não sou extrovertida, o que provavelmente me tem levado a focar-me em competências de observação e de narração através da pintura. Como frequentemente procuro algo suficientemente intrigante ou intimista, eventualmente pouco observado pela maioria. Algo que uma mulher possa ter sentido algumas vezes na sua vida. Esta visão própria, mas também feminina, pode possibilitar uma observação de momentos de maior vulnerabilidade e de diversidade emocional.

WAF — Que mensagem ou reflexão pretendes transmitir com a tua obra?

Beatriz Narciso – Para além da partilha, o despertar de memórias e a valorização da condição efémera do tempo, convido também para a sensibilidade humana de estar em comunidade, às conexões das mesmas, às emoções e às dualidades contraditórias das mesmas. Numa mesma cena, num mesmo episódio, duas pessoas podem sentir opostos.

WAF — Como costumas organizar o teu processo criativo? Há algum método ou rotina que privilegias?

Beatriz Narciso – Costumo fazer um planeamento com breves esboços, à medida que vou meditando numa perspetiva global dos meus quadros. Gosto, também, de ser surpreendida pelo próprio processo e encontrar novos modos de ver, pelo que deixo em aberto. Esboço bastante mentalmente, por vezes pesquiso algumas referências visuais e começo a construir o conceito através desta mistura.


WAF — Que técnicas, materiais ou meios gostas mais de explorar na tua prática?

Beatriz Narciso – Exploro a luz, a cor e os diálogos dicotómicos de cada peça, de acordo com os temas que invoco. Por isso acabo por escolher o acrílico ou o óleo sobre linho como os materiais principais. E o meu registo usa uma linguagem mais realista.

WAF — Que papel têm a colaboração ou a inter-disciplinaridade no teu trabalho?

Beatriz Narciso – A inter-disciplinaridade é um tema mais recente no meu trabalho. Comecei a entender que a montagem tem um papel fundamental na forma como podemos enriquecer as peças centrais expostas e criar um ambiente que contribui para a submersão do trabalho de um artista. Tenho colaborado e conversado com outros artistas, com os quais tenho partilhado visões, técnicas e materiais. E é aqui que cresce a minha curiosidade em expandir os meus conhecimentos, na pintura, assim como na componente de instalação.

WAF — De que forma esta bolsa poderá transformar ou impulsionar o teu percurso artístico?

Beatriz Narciso – Para além do acompanhamento dado aos artistas, durante as mentorias, ser muito pertinente e incentivador para a minha carreira, esta bolsa tem capacidade em proporcionar uma visibilidade muito particular aos artistas selecionados, especialmente importante para as mais jovens, onde me incluo. Com esta bolsa, poderia trabalhar numa dimensão diferente de públicos, ter abertura de portas institucionais e particulares e menor dificuldade na concretização de diferentes etapas, muito comuns para jovens artistas, nomeadamente do género feminino.

WAF — Quais são as tuas expectativas em relação ao impacto deste projeto no contexto nacional/internacional?

Beatriz Narciso – As minhas expetativas são bastante positivas. Poderá criar um verdadeiro impacto no combate à emigração de artistas por falta de condições e estabilidade de carreira artística. Incentiva a exposição e a formação de mulheres artistas, a promoção do património cultural português, desde logo o de produção feminina. Pode proporcionar parcerias e colaborações além-fronteiras, ajudando as artistas a terem mais reconhecimento e estabilidade profissional e económica.

WAF — Onde te vês daqui a cinco anos enquanto artista?

Beatriz Narciso – Só o futuro dirá, mas definitivamente melhor.


Com esta segunda entrevista continuamos a série dedicada a dar voz às finalistas da 1ª edição da Women in Art Fellowship. A WAF nasce da colaboração entre o Freeport Lisboa Fashion Outlet, o Vila do Conde Porto Fashion Outlet, a Portugal Manual e a SOTA – State of the Art, e conta com a artista Joana Vasconcelos como madrinha da sua primeira edição.

Convidamos-te a acompanhar de perto este percurso: segue a WAF no Instagram e descobre mais sobre o trabalho de Beatriz Narciso no instagram e no seu site.

Sabe mais sobre a bolsa WAF neste artigo no blog.