À conversa com Ana & Joana, as fundadoras do Inusitado
Ana e Joana. inusitado studio

Há muito que estávamos em falta com a nossa rubrica “à conversa com”.

Inusitado é uma marca portuguesa de estacionário, fundada em 2017 por Ana Brandão e Joana Bernardo no Porto, que celebra a relação íntima entre o papel e o design. Com uma produção sustentável e artesanal, a marca oferece produtos únicos que convidam à reflexão e à criatividade, explorando a textura, o cheiro e a interação do papel com diferentes materiais. Valorizando a tradição e a inovação, o Inusitado propõe uma experiência sensorial e funcional que transforma o ato de escrever e desenhar em momentos de inspiração.

Ana e Joana. inusitado studio


PM – O que vos inspira além do vosso trabalho? Quais são seus hobbies ou interesses fora do campo criativo?

Ana: Tudo me inspira e influencia: as coisas do quotidiano, as pessoas e toda a sua diversidade. Adoro observar o que me rodeia, ver pequenos detalhes como sombras e cores nos sítios menos esperados. Viajar, ter contacto com novas culturas, conhecer pessoas e costumes diferentes é o que me apaixona. Adoro caminhar pela natureza ou pelo meio da cidade, de forma livre e descomprometida, sem destino aparente é o meu refúgio.

Joana: A observação. O ‘people-watch’. Observar e deixar-me inspirar pelos movimentos, pelas ideias, pelas conversas, pelas experiências que são criadas através de um som, um livro, um filme, um abraço, uma obra de arte, um objeto, uma situação – uma interação.

PM – Qual é o teu lugar favorito para encontrar inspiração ou relaxar? Alguma paisagem ou ambiente que te inspire?

Ana: O mar, o cheiro a maresia, a água salgada, o barulho das ondas, a vastidão azul que se estende até ao horizonte… O cheiro a maresia traz-me uma sensação de regresso a casa e de tranquilidade e um mergulhar revitaliza-me.

Joana: Na minha casa, na varanda, o mar e o silêncio são a minha base para relaxar. Seguida de uma mistura de conversas à mesa, bem acompanhada de boas pessoas, petiscos e um copo de vinho.

PM – Tens alguma rotina matinal ou ritual que te ajuda a começar o dia com energia e criatividade?

Ana: Gosto de começar o meu dia com um café americano, saboreando-o com calma, de preferência na varanda. É um momento de pausa, onde consigo organizar os meus pensamentos e preparar-me para o que vem a seguir.

Joana: Começar o dia em casa, com uma chávena bonita de café e o silêncio para percorrer as minhas ideias, visualizar e organizar o dia que se segue. A partir daí, percorrer sempre inspiração quer seja num podcast que vou ouvir – normalmente sobre criatividade e empreendedorismo, inspira-me esse frenesim do fazer acontecer, contas de instagram que trazem leveza e despoletam em simultâneo a vontade de criar com garra e o caderno que está sempre perto para traços de pensamento ou palavras de organização.

PM – Existe alguma história especial por trás de uma das tuas criações? Podes contar-nos um pouco sobre ela?

Ana: A história por trás da criação do nosso caderno “Saudade” é singular. Surgiu durante a pandemia, um período em que todos estávamos fechados em casa, a sentir saudades das pessoas mais próximas e da nossa vida quotediana. Foi neste contexto que surgiu a ideia de lançar o caderno “Saudade”. Utilizando desperdícios de outros papéis que íamos acumulando, cada caderno era meticulosamente produzido e numerado, representando não só a saudade das nossas pessoas, mas também a transformação dos desperdícios em algo novo. Assim, o “Saudade” tornou-se não apenas num objeto funcional, mas também uma expressão tangível dos nossos sentimentos.

Joana: Para além do nosso caderno saudade e tudo o que ele significa, gosto muita da abordagem da nossa coleção de postais “time to”. Reservamos um espaço em branco de 11×15,5cm para dedicar palavras.
O postal certo para cada um, onde queremos que dediquem tempo nas palavras traduzidas na caligrafia de quem escreve, para mais tarde recordar. Já criamos alguns momentos “time to” celebrate, magic, love, fly e enjoy. A mensagem que existe mas que cria espaço para a tornar nossa.

PM – Se tivesses a oportunidade de colaborar com qualquer artista/escritor/designer do mundo, quem seria e por quê?

Ana: Se tivesse a oportunidade de colaborar com qualquer artista, noutra vida gostaria de colaborar com a Helena Almeida, artista plástica. Não apenas pela sua genialidade artística, mas também pela sua profunda conexão com temas como a identidade, o corpo feminino e a relação entre espaço e tempo. Identifico-me com a sua expressão artística, com a forma, as cores e os temas que se unem ao nos desafiar a olhar para além do superficial e convidam a explorar.

Joana: Uma das pessoas que me inspira é a Joana Astolfi. Desde a sua visão multifacetada, versátil e multidisciplinar ao detalhe das suas composições. Como várias partes se tornam num todo e como o todo é resultado de várias relações entre várias partes. É o storytelling que emana dessas peças e o processo criativo que as acompanha que me fascina.

PM – Uma música?

Ana: Sou por fases, há momentos em que me torno obcecada por uma música ou um artista, ouvindo-os compulsivamente. No entanto, quando descubro uma nova música que goste ou revisito uma antiga, mudo rapidamente o foco. De momento, “Walk on the Wild Side” de Lou Reed tem sido uma constante na minha playlist.

Joana: A música de Hans Zimmer pela sua capacidade do nos teletransportar e colapsar.

PM – Um livro?

Ana: Klara e o Sol de Kazuo Ishiguro.

Joana: Livros como “conversas sobre o amor”, “biblioteca da meia noite” ou “dentro da loja mágica” que questionam as nossas perspetivas sobre as relações humanas entre nós mesmos e com os outros que são e sempre serão a base de qualquer coisa.

PM – Um filme?

Ana: Shoplifters, Hirokazu Koreeda

Joana: Ressalta o Clube dos Poetas Mortos pela valorização dos sonhos, do sentir e do viver. “(…) E medicina, advocacia, administração e engenharia, são objetivos nobres e necessários para manter-se vivo. Mas a poesia, beleza, romance, amor… é para isso que vivemos.”

PM – Uma cor?

Ana: Neste momento, no trabalho, tenho optado pelo terracota. Mas, quando se trata de vestir, tenho tendência a escolher o preto.

Joana: Branco.

PM – Um lugar

Ana: O mar.

Joana: Ateliês.

PM – Uma pessoa.

Ana: Avó.
Joana: Todas as pessoas que têm e percorrem a vontade de criar algo.

PM – Uma peça tua.

Ana: O conjunto 1/365.

Joana: A coleção 1/365, uma peça nossa inusitado que é o produto mais procurado da marca. E é o reflexo daquilo que projetamos para o inusitado, a versatilidade e adaptação do produto às necessidades de cada um. Adapta-se à pessoa, adapta-se ao momento, adapta-se ao ritmo de vida atual.

PM – Uma peça de um colega

Ana: Vanessa Barragão, Coral garden

Joana: As peças do João Bruno Videira que reinventa o uso da matéria-prima e cruza linguagens entre o têxtil, o mobiliário, o design e a arte. O uso das técnicas e materiais tradicionais numa nova abordagem e linguagem agrada-me e identifico o mesmo propósito no inusitado.

PM – Alguma experiência ou viagem que teve um impacto significativo no teu processo criativo? onde e porquê?

Ana: A experiência de ter trabalhado em contextos variados e no inusitado em simultâneo tem um grande impacto no meu trabalho e no meu processo criativo. A diversidade de áreas por onde passei é o elemento-chave. Comecei por trabalhar como designer numa marca de moda, mais tarde numa agência de comunicação e, atualmente, no setor de luxo de joias e relojoaria. Esta mistura de áreas e interesses diferentes desempenha um papel importante no meu processo criativo, influenciando onde procuro inspiração e o resultado de tudo o que faço. Cada experiência profissional traz consigo novos desafios e perspetivas que enriquecem o meu trabalho e permitem-me explorar diversas abordagens criativas.

Joana: De todas as viagens trago sempre algo. O cheiro ou as cores, a sensação que aquele sítio me trouxe e principalmente o “dolce fare niente” tão difícil de acontecer no meu quotidiano. Isso dá-me espaço para conseguir absorver e observar melhor, criar associações entre projetos que tenha em mente com o que estou a experienciar, de uma forma descomprometida mas como se estivesse a armazenar ou a cultivar novas ferramentas e ideias. Uma base de dados, uma biblioteca que é utilizada num futuro e que me serve de base no processo criativo.

PM – Quais são os teus métodos para lidar com o bloqueio criativo?

Ana: Para mim, o segredo está em parar e desligar, mudar completamente de contexto. Dar um passeio ou simplesmente mudar para um projeto diferente são as minhas estratégias. Depois, já consigo voltar para um caderno e começar a organizar as ideias no papel.

Joana: A manutenção da criatividade. É algo que acontece todos os dias através de pesquisa de conteúdo e consumo sob várias formas e que acontece também de forma involuntária pela captação de novas referências e experiências no dia a dia. Saber estar perto de conteúdo e/ ou pessoas interessantes que me inspiram, que consigo me identificar, que me questionam e impulsionam a criar.

O tempo de descansar, recuperar, desligar e voltar a redirecionar toda a minha atenção para os temas a abordar. Sou das pessoas que gosto de ter vários projetos em simultâneo e que vou acumulando ideias com o tempo para desenvolver.

O ponto principal é o equilíbrio. Entre o momento que consegues ser bastante criativo e o tempo em que precisas de deixar fluir, não pressionar e criar espaço. Acreditando sempre que a criatividade é algo que se estimula e se constrói. Experimentar sem medo de falhar, porque é nesse processo que se alcança o que procuramos – criatividade.

Conheçam mais aqui e aqui.