Somos a Milena Kalte e a Ysaline Ophoff, duas artesãs que trabalham com fibras vegetais do Algarve, o esparto (Stipa tenacissima) e a palma (Chamaerops humilis). Ambas somos membros da Portugal Manual e conhecemo-nos pessoalmente pela primeira vez na inauguração da Exposição Contra/Tempo.


Apercebemo-nos rapidamente de que não partilhamos apenas a mesma paixão pela cestaria, mas também que ambas queremos criar mais espaços de colaboração e aprendizagem partilhada nas nossas vidas. A cestaria, como a maioria dos trabalhos manuais, costumava ser uma atividade feita em grupo, com uma dimensão social e afetiva. Ambas sentimos falta desses momentos de partilha no nosso dia-a dia de trabalho, já que a vida como artesãs profissionais nos leva a entrançar durante longos períodos de tempo, mas quase sempre sozinhas. Reconhecemos também que a falta de oferta de formação profissional em cestaria em Portugal coloca uma forte limitação à possibilidade de aprofundar os nossos conhecimentos técnicos e, a um nível social, de nos sentirmos conectadas com e apoiadas por uma comunidade de praticantes de cestaria.
Quando descobrimos o programa ‘Creative Exchange Residency’ promovido pela ECA (European Craft Alliance), decidimos desenhar a nossa própria residência criativa para ir ao encontro destas necessidades partilhadas: mais conexão, colaboração e aprendizagem. Queríamos descobrir aquilo que cada uma de nós – e as respetivas plantas com as quais trabalhamos – tinham para ensinar uma à outra.
As plantas com as quais trabalhamos, são muito distintas e parecidas ao mesmo tempo. O Esparto tem uma grande força e resistência perante o sol e a água (salgada) e pode usar-se cru ou pisado. A Palma, apesar da resistência das fibras, permite mais flexibilidade e é mais macia ao toque. Ambas integram a paisagem algarvia e crescem de forma espontânea em terrenos áridos e rochosos. A sua presença na paisagem contribui significativamente para a infiltração de água pluvial no solo e diminui a erosão e também a respiração do solo (dióxido de carbono (CO2) libertado do solo). Resistem ainda a temperaturas elevadas e longos períodos de seca.
Estas plantas e as respetivas técnicas coexistiram na cultura material e imaterial algarvia desde a Idade Moderna. Tendo em conta esta longa história paralela e o facto de coabitarem a mesma paisagem, pareceu-nos curioso que nunca tivéssemos visto um objeto que combinasse as duas plantas. Desta curiosidade nasceu a vontade de explorar a ligação entre ambas, tanto de forma literal como metafórica. Como é que estas duas fibras podem ser entrelaçadas? Onde é que as suas histórias divergem ou se sobrepõem? E como é que as suas qualidades se podem potenciar mutuamente?
Utilizámos o tempo da residência para explorar estas questões, experimentar, filosofar e divagar. Trocámos conhecimentos, visitamos os nossos mestres e mergulhámos no dia-a-dia dum e do outro e nas diferentes maneiras de entrançar – as fibras e a nós próprias.


Daí surgiram novas questões. Qual é o papel que nós, estrangeiras, podemos assumir nesta prática tão enraizada na cultura portuguesa? Como é que esta prática do entrançar de fibras pode tornar-se uma forma de nos integrarmos num lugar, numa cultura, que originalmente não é nossa?
Falámos sobre o valor dos terrenos baldios e das horas vazias, o tempo que as pessoas aproveitaram para fazer este tipo de trabalhos manuais. Refletimos sobre o pensamento catedral – uma visão de longo prazo que exige planeamento, dedicação e trabalho contínuo por gerações, tal como a construção de catedrais que demoravam séculos a ser concluídas – e como esta ideia se relaciona com o ato do entrançar.
Falámos sobre o poder e a beleza da trança, sobre repetir os mesmos pequenos gestos durante horas, criando uma trança, entrando numa espécie de transe, em que o tempo passa numa velocidade própria a este fazer devagar, sem pensar, com as mãos. E como parece que esta atividade dá mais energia do que a que consome. Temos vindo a idealizar projetos futuros, pequenos e grandes. Falámos sobre como seria maravilhoso reunir uma comunidade através da arte do entrançar. Porque, assim como o entrelaçar das fibras cria uma peça forte, o poder da colaboração entre pessoas cria uma comunidade forte.

Este texto é uma produção de Milena Kalte e Ysaline Ophoff.