À conversa com Maria Pratas

Nascida em Coimbra, Maria Pratas herdou do avô a magia de trabalhar as ferramentas como se fossem uma extensão de si. Esta professora de Educação Visual, trocou a cidade natal, e Lisboa, por Portimão, onde tem atualmente o seu atelier, um espaço fruto do confinamento. Maria Pratas trabalha a tridimensionalidade dos materiais que usa, explorando a sua história, a sua evolução e a sua funcionalidade na criação de peças únicas. A partir dos saberes dos antigos artesãos, a artista desenvolve uma fusão entre várias matérias-primas, sobretudo têxteis e madeira, os seus materiais de eleição, Um processo de criação que transforma manualmente objetos em peças decorativas de linguagem funcional e artística.

PM – O que te inspira além do teu trabalho? Quais são os hobbies ou interesses fora do campo criativo?

MP – Observar. Olhar para a beleza e reter os detalhes, dos objectos e das pessoas. Sou muito visual e facilmente guardo na memória as imagens desses momentos.Gosto muito de cozinhar e preparar uma refeição que sirva longas conversas à mesa.Estar com as minhas pessoas e usufruir desse tempo em que estamos juntos, mesmo que haja uma distância física pelo meio… o mundo hoje “está” um pouco mais perto, não é?

PM – Qual é o teu lugar favorito para encontrar inspiração ou relaxar? Alguma paisagem ou ambiente que te inspire?

MP – Aquela praia longa, vazia, com um mar quente, dá-me estabilidade e permite as caminhadas que enchem,  literalmente,  as mãos de objectos que encontro por ali e que acabam por aparecer muitas vezes nas minhas peças.

PM – Tens alguma rotina matinal ou ritual que te ajuda a começar o dia com energia e criatividade? 

MP – Escolher e por a tocar a música para o dia, é o momento determinante para pensar como vou gerir as horas seguintes. Sinto-me muito bem ter música por perto e, influenciada pelo mood, sigo em frente com mais ou menos ritmo. De resto, não há rituais… procuro apenas que o dia traga a dose certa, o equilíbrio, para que no final do dia eu sinta que acrescentei alguma coisa ao tempo.

PM – Existe alguma história especial por trás de uma das tuas criações? Podes contar-nos um pouco sobre ela?Há algumas! 

MP – Guardo para sempre em memória, um painel que representa um encontro de onde nasceu amor. Conta uma história muito bonita, muito inspiradora, onde as ligações entre as pessoas acontecem organicamente.Ofereci essa peça à minha melhor amiga que a recebeu com surpresa e essa momento também foi único. 

PM – Se tivesses a oportunidade de colaborar com qualquer artista/escritor/designer do mundo, quem seria e por quê?

MP – Há muitas pessoas que admiro no campo artístico e a escolha é muito difícil… a beleza das coisas convence-me facilmente e havendo essa oportunidade seria eu a sortuda. Destaco o trabalho incrível da Passa Ao Futuro, pela a importância que dá ao repositório de ofícios e seu mapeamento.Gostava de conhecer pessoalmente a Adília Lopes. A sua escrita contém histórias do quotidiano, são loucas e de uma simplicidade impressionante. Imagino partilharmos uma viagem onde ambas seguimos juntas.

PM – Uma música?

MP – Impossível escolher uma. A música tem uma presença permanente no meu dia e tem o poder de me dar notas decisivas para o mood do dia. Alimento as minhas playlists também com as músicas “oferecidas”… adoro fazer estas trocas. A música salva e se ouvirmos a mesma, sei que estamos ligados. Convido a visita à banda sonora do meu atelier.

PM – Um livro? 

MP – Porque foi dos primeiros livros que me fez sentir a crescer, a ver as pessoas noutros ângulos, A Insustentável Leveza do Ser, de Milan Kundera.

PM – Um filme? 

MP – Tantos… mas a obra de David Lynch é a eleita. É muito rica artisticamente, cheia de referências que me acompanham e ainda hoje estão presentes na minha forma de olhar, observar e sentir. As imagens e a própria banda sonora são intensas e de uma beleza arrebatadora.“A Beleza Americana” pela subtileza nas imagens e densidade das personagens,  “Trainspoting” a referência da geração X.

PM – Uma côr?  

MP – Não deixo de referir o azul cobalto, muito presente quando crio, mas como elemento determinante para comunicar uma sensação, uso nas peças qualquer cor consoante o contexto e ambiente que a vai receber.Depois há o preto que vinca o carácter forte e ao mesmo tempo a subtileza discreta quando o uso, mas todas as cores que se ligam ao ambiente natural são as que mais aplico nos meus trabalhos.

PM – Um lugar 

MP – Por me sentir em casa, a costa vicentina. 

PM – Uma peça tua 

MP – Neste momento trabalho um “arquivo topográfico” de um lugar que nunca visitei e, porque não recolhi in situ as referências e características através do meu olhar , estou a “viajar” nele com as coordenadas e vivências que o cliente me deu. Será um peça importante também porque assinala uma concretização e uma etapa importante no meu percurso enquanto artista.

PM – Uma peça de um colega 

MP – Há na verdade peças incríveis e eu sou admiradora do trabalho de alguns artistas (eles sabem). Estou bem acompanhada por uma imensa minoria de talentos nas diferentes disciplinas. Quero registar uma jarra em cerâmica, com um detalhe único, criada pela Oficina Marques.

PM – Alguma experiência ou viagem que teve um impacto significativo no teu processo criativo? onde e porquê?

MP – Viajar e permanecer nos sítios com culturas e identidades diferentes das minhas, transforma-me amplamente. Tansporto no regresso uma bagagem maior em experiências ricas e inspiradoras que permanecem ao longo do tempo. 

Estar na Noruega tem impulsionado momentos de criação muito produtivos. A coleção de arquivos topógraficos é a prova da importância de sairmos de processos rotinados.

PM – Quais são os teus métodos para lidar com o bloqueio criativo?

MP – Não acontece muito… antecipo-me a esse travão, porque já conheço os sinais. Mas pode acontecer e distanciar- me do trabalho ou escondê-lo para não ficar a prender o olhar… Trocar as voltas à rotina e regressar ao atelier para olhar para o meu caderno onde há traços soltos, recortes de imagens sobre um espaço bonito ou registos de viagens que ali arquivei… e mais uma vez ter a música perto.

PM – Alguma experiência ou viagem que teve um impacto significativo no teu processo criativo? onde e porquê?

MP – Tenho a sorte de ter perto pessoas muito inspiradoras e de com elas verbalizar e experimentar impulsos criativos, ideias, vontades.A Estrada Têxtil é mais que uma viagem, é uma experiência artística onde durante uma semana, acompanhada pelo Vasco Águas e pelo André Matos, elejamos como destino um território fértil que nos alimenta o processo criativo ao longo do ano. Não deixo de sublinhar a importância  da relação pessoal  entre nós e as ligações que vão crescendo com as pessoas que vamos conhecendo, ligadas aos ofícios, ao artesanato ou à produção têxtil mais industrial.

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